Mia Badgyal - Moda e propósito no mundo da música brasileira
Mia Badgyal acaba de lançar seu primeiro álbum, “EMERGÊNCIA”, com 16 faixas e diversos visuais, mas o que um bom look esconde é uma vida repleta de propósitos e representatividade.
Foto: Divulgação/ Anni Farias @electricbusy
Assim como muitos artistas brasileiros o inicio da carreira de Mia Badgyal foi marcado pela conexão com a música gospel, mas a descoberta de sua personalidade e sexualidade fizeram com que ela transbordasse esse talento para outras vertentes.
Com sonoridade eletrônica e metálica, o primeiro álbum de Mia Badgyal traz uma vibe única e completamente moderna, mesclando referências nacionais e internacionais e trazendo algo novo para a cena do pop brasileiro.
Em entrevista, fomos além de sua voz potente e conhecemos melhor o que de fato torna Mia Badgyal uma representante de ritmos tão brasileiros e sua trajetória em conexão com a moda e a música desde o começo da carreira, confira:
Foto: Divulgação/ Anni Farias @electricbusy
Danielle Moreira: Como você iniciou sua trajetória na moda?
Mia Badgyal: Eu acho que comecei na moda na minha infância, acho que a moda é algo sempre muito presente na vida de uma pessoa LGBTQ+ – não sei se com você é assim, mas, a moda sempre foi o meio que vi de me expressar e sempre fui muito ligada no que estava acontecendo. Desde antes de tudo, até da música, sempre gostei de moda, e agora uso isso comigo como parte da minha identidade, com certeza. Comecei basicamente na infância, lembro que ajudava a escolher roupa da minha mãe, da minha vó, para elas irem para o culto, ficava escolhendo sapatos, saias e até mesmo as echarpes que minha vó ia usar – a moda então veio aí.
Além disso, já tive uma marca de roupa, era bem novinha, na verdade, tinha uns 18 anos, enfim, com essa marca consegui vestir vários artistas legais, como a Pabllo Vittar. No começo da carreira dela foi quando a gente ficou mais próxima, né? Comecei produzindo looks para a Pabllo Vittar usar e, assim, os looks do começo da carreira foram icônicos e eram produzidos por mim! Daí comecei a desenvolver esse trabalho a partir da minha marca e usei minha amiga Pabllo Vittar e outros artistas como minha vitrine.
Minha relação com a moda surge do existir mesmo, precisamos viver, daí, quando você quer sair, você quer se mostrar – e, para mim, a pergunta sempre é: como posso ser mais ‘bafo’? Usando roupas ‘bafo’! Minha relação com a moda é assim, sabe, uma expressão criativa mesmo – o que vale sempre é meu gosto pessoal, sempre falo que ‘não é fashion até a Mia usar’.
Dani: Como você iniciou o seu despertar na música? Sempre teve como foco essa pegada Pop/ Eletrônica?
Mia: Tudo teve inicio na infância, comecei a cantar na igreja acho que tinha uns 7 anos, e nunca parei, né? O único momento, na verdade, que tive uma pausa foi pós sair da igreja, pós me descobrir uma pessoa LGBTQ+, mas, minha relação com a música também é uma coisa muito presente desde a minha infância. Minha avó materna, mesmo, era uma cantora missionária bem conhecida na cena gospel.
A música pop também, acho, é outra coisa que está muito presente na vida de qualquer pessoa LGBTQ+. Costumo dizer que virei cantora para poder produzir as coisas que eu não conseguia encontrar e agora estou aqui, sabe?
Dani: Qual a história que seu novo álbum conta?
Mia: Bom, “EMERGÊNCIA”, na real, é a linguagem que usei para contar sobre mim, narro experiências amorosas, como foi minha transição – até porque iniciei minha transição durante o “EMERGÊNCIA” – antes, até então, eu só era uma drag queen. Foi durante esse processo que veio uma luz e, tipo, “POW”, é isso, e usei muito dessa minha vivência no álbum, me descobrindo e me realizando comigo mesma. Daí, assim, quando eu falo que “EMERGÊNCIA” vem para me humanizar, meu corpo, é para mostrar de uma forma clara para as pessoas, que, apesar de eu ser uma travesti, também sou ser humano, sabe? Me apaixono, curto, e é isso – e “EMERGÊNCIA” vem muito desse lugar, para mim, mas, cada um pode ter sua interpretação ouvindo o disco.
Foto: Divulgação/ Anni Farias @electricbusy
Dani: Quais os elementos de estilo que não podem faltar para expressar a sua personalidade única?
Mia: Ai, o que nunca pode faltar no meu guarda roupa, é uma sainha! Uma sainha nunca pode faltar, amo uma sainha, quando vou viajar, sempre tenho que levar – me sinto muito à vontade usando uma boa sainha. Seja uma sainha de crente, uma mini ou uma sainha mid.
Dani: Quem são suas musas e musos? E quem seria o feat dos sonhos?
Mia: Ai! minha maior inspiração é a Rihanna, Mia Badgyal é por causa da Rihanna então começo por ela, já que ela é o fundamento, para mim, para muitas coisas. Mas, me inspiro super na Rosalía, na Arca, na Pabllo Vittar, na Urias, Linn da Quebrada, elas são grandes referências para mim. Também Kim Petras, SOPHIE – acho, assim, elas são grandes nomes da nossa comunidade, sou filhinha delas. Gente, Charli XCX também, não posso esquecer dela – abrir o show dela ano passado foi um dos top momentos da minha vida, mas, na verdade, parece que todo o dia está vindo um top momento, não sei mais o que esperar. Não tinha nem lançado um disco e já abri para a Charli, agora, com o disco, o que vem por aí?
O feat. dos meus sonhos? Atualmente, acho que seria a Arca, ela é muito foda no que ela faz, me inspiro bastante. Ia falar outros nomes, mas, não posso falar muito, vai que vem aí?
Foto: Divulgação/ Anni Farias @electricbusy
Dani: Como foi a construção dessa nova era? Tem alguma estética específica que te inspira?
Mia: Eu acho que a principal referência que a gente usou para criar umas imagens bem bonitas foram ‘refs’ de bonecas de porcelana, isso está bem evidente ali na capa e em algumas outras imagens. A gente quis muito reforçar essa imagem de que a Mia é uma boneca, mas, assim, são livres as interpretações para cada um. A gente também fez uma imagem bem legal, que foram essas últimas que soltei, onde estou de santa – acho isso muito forte, muito potente, porque a gente não imagina quando fala em uma santa que uma travesti possa ser vista como uma divindade. Então, assim, me colocar nesse lugar de um ser "imaculado", acho que é muito legal a gente imaginar novas possibilidades, porque a gente é sempre "demonizado"e nunca santificada, acho que está na hora das pessoas mudarem esse pensamento. Porque a gente não pode ser algo divino? Somos sempre o erro, mas, não quero ser o erro, sou o acerto.
Dani: Como é para você ver a persona Mia Bagyal sendo construída diariamente? Qual seu objetivo para a imagem da Mia no futuro?
Mia: O desejo da Mia é que mais pessoas se identifiquem com ela e também quero mostrar que isso é possível, sou uma travesti, sou da zona leste de São Paulo, moro em uma comunidade, em uma situação bem humilde – quero mostrar que é possível estar a margem da sociedade e ainda produzir algo muito foda. A gente está aqui para confundir, não sou o acerto, não sou o erro, sou a dúvida, entendeu? Estou aqui para fazer as pessoas se questionarem, como ela consegue fazer isso tendo tão pouco? Ou sendo quem ela é, sendo travesti, sabe? Acho que é bem por aí.
Então, quem foi o diretor criativo do disco foi o Marcelo Jairosz. O Marcelo é responsável pelos slides da Duda Beat, fez o “De Primeira” da Marina Sena, fez Anitta com “Boys Don’t Cry”, capa da Ludmilla, do Jão – então, assim, quem fez a pesquisa para o disco e escolheu essa ‘ref’ foi ele, então é uma pergunta mais pertinente a ele. Mas, o que eu sei é que ele sempre procurou fazer coisas que ninguém fez, sabe? Então, querendo ou não, a estética do disco vem aí para trazer algo que pode ser uma tendência. A referência principal foram bonecas, mas, usamos também muito a linguagem de bordado – todas as coisas que aparecem com bordado nos slides do disco foram feitas a mão, digitalmente, ou seja, ele trouxe essa referência de bordado, pano de prato – que é uma coisa simples, mas, feita com carinho, que, acho que é a base da estética do disco, feito com amor, cuidado.
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